Resumo
• A Geração Z redefine o conceito de moradia ao buscar estabilidade emocional, acolhimento e autonomia em um mundo marcado pela incerteza.
• Jovens valorizam proximidade, mobilidade urbana e bairros completos, vendo a localização como fator essencial de qualidade de vida.
• A crise climática impacta diretamente a escolha da casa: a geração exige imóveis mais seguros, ventilados e preparados para eventos extremos.
• Formatos alternativos como tiny houses e coliving despertam interesse, mas limites ligados à privacidade e pertencimento ainda restringem a adoção.
• O futuro da moradia combina bem-estar, sustentabilidade e tecnologia, exigindo que arquitetos e incorporadoras criem espaços urbanos mais humanos e resilientes.
A relação da Geração Z com a moradia inaugura um dos capítulos mais instigantes do debate urbano contemporâneo. Criados em um ambiente marcado pela hiperconexão, por incertezas econômicas e por transformações profundas no trabalho, esses jovens amadurecem enquanto a cidade se torna palco de desafios inéditos — como a crise climática, o aumento do custo de vida e novos modelos de convivência. Não se trata apenas de onde morar, mas de como viver. Essa mudança de perspectiva redefine expectativas e orienta a forma como arquitetos, urbanistas e incorporadoras projetam o futuro das cidades.
Segundo a pesquisa “Retratos do Morar”, realizada pelo Grupo QuintoAndar, a Geração Z — composta por entrevistados de 18 a 28 anos — revela padrões que explicam muito sobre seu comportamento urbano. Para compreender esse movimento, conversamos com dois especialistas: a urbanista Marina Barcellos, pesquisadora de sociologia da moradia, e o arquiteto Renato Saldanha, que atua com projetos de uso misto e habitação compacta. Ambos traçam uma leitura rica sobre os desejos e as inquietações dessa geração.
Estabilidade emocional em um mundo instável: por que a casa ganhou outro sentido
Um dos dados mais surpreendentes é que 50% da Geração Z deseja comprar um imóvel, superando todas as outras faixas etárias. À primeira vista, o número desafia a lógica do aluguel flexível, tão associado ao público jovem. Mas a resposta está menos no patrimônio e mais na sensação de ancoragem.
A urbanista Marina Barcellos explica que essa busca nasce de uma espécie de antítese ao cenário caótico atual. “Para muitos jovens, a casa funciona como um ponto de estabilidade raríssimo em um cotidiano marcado pela imprevisibilidade econômica e climática. Eles querem um lugar que não apenas proteja, mas que ofereça amparo emocional”, observa.
Ao mesmo tempo, apenas 14% veem o imóvel como investimento, mostrando que a Geração Z não deseja repetir o modelo tradicional de acúmulo de patrimônio. O interesse não está no retorno financeiro, mas na criação de um espaço que represente segurança, autonomia e possibilidade de construir uma vida com mínima previsibilidade.
Localização é qualidade de vida — e a cidade precisa acompanhar esse ritmo
Outra marca distintiva dos jovens é a valorização da proximidade entre casa, trabalho e estudo. Para 19% da Geração Z, morar perto dos principais pontos da rotina é determinante. E isso não é apenas preferência: é estratégia de sobrevivência em cidades congestionadas, caras e energeticamente desgastantes.
O arquiteto Renato Saldanha destaca que essa relação direta com os deslocamentos redefine o planejamento urbano. “Essa geração entende que o tempo gasto no trânsito impacta saúde, produtividade e bem-estar. Por isso, ela procura bairros com infraestrutura completa, mobilidade ativa e acesso fácil ao transporte público”, afirma.
Entretanto, essa escolha convive com uma insatisfação crescente: apenas 66% da Geração Z está satisfeita com o lugar onde mora, percentual inferior ao de gerações mais velhas. As razões incluem o custo elevado, a precariedade dos imóveis disponíveis ao público jovem e a sensação de vulnerabilidade diante de eventos extremos — enchentes, calor intenso, instabilidades estruturais. Apenas 25% dos jovens nunca vivenciaram danos climáticos, contra 51% dos boomers.
O efeito desse dado é profundo: morar deixou de ser apenas um endereço e passou a ser também uma adaptação ao colapso ambiental.
A moradia diante da crise climática: acolhimento, segurança e preparo técnico
A preocupação com o clima redefine prioridades. Casas bem ventiladas, com melhor isolamento térmico, sistemas de drenagem eficientes, áreas arborizadas e bairros menos suscetíveis a enchentes surgem como fatores decisivos.
Marina Barcellos reforça que essa consciência ambiental é uma característica geracional. “A Geração Z cresceu vendo seus próprios bairros alagarem. Ela sabe que morar é enfrentar a realidade climática. Por isso, busca imóveis mais preparados estruturalmente e com menor impacto ambiental”, analisa.
Essa sensibilidade amplia o entendimento de “conforto”. Não é apenas estética, mas resiliência. É a capacidade de um lar resistir ao calor extremo, à umidade, à falta de ventilação e às mudanças bruscas que se tornaram parte da vida urbana brasileira.
Entre o ideal e o possível: novos formatos de moradia e seus limites
Muito se fala que a Geração Z seria naturalmente adepta de formatos alternativos, como tiny houses, coliving e cohousing. No entanto, os dados mostram nuances importantes. Embora haja curiosidade, a adoção ainda é cautelosa.
O estudo indica que 14% dos jovens não morariam em tiny houses, e que modelos coletivos, como coliving e flex living, despertam interesse, mas também incertezas. Privacidade, regras de convivência e autonomia são pontos sensíveis.
Renato Saldanha explica que a geração procura inovação, mas não abre mão de bem-estar. “É uma juventude aberta ao novo, mas não a ponto de comprometer sua individualidade. Espaço, conforto e sensação de pertencimento permanecem centrais”, afirma.
Além disso, há um detalhe pouco discutido: muitos desses formatos ainda não conversam com o desejo de estabilidade emocional. Eles funcionam como solução de mobilidade, mas não necessariamente como o lar que esses jovens idealizam.
O futuro da moradia passa por acolhimento, tecnologia e cidade viva
O que a Geração Z projeta para o futuro não é apenas uma mudança estética ou arquitetônica. É uma redefinição completa do que significa viver nas cidades. Trata-se de um morar que combina pragmatismo urbano, sensibilidade climática e um desejo profundo de acolhimento afetivo.
É também uma oportunidade para profissionais e incorporadoras ressignificarem seus projetos, incorporando soluções eficientes, inclusivas e capazes de dialogar com novas necessidades — desde plantas arquitetônicas mais inteligentes até edifícios conectados, bairros verdes e espaços que favoreçam o bem-estar.
A casa, para essa geração, é mais do que um teto. É o lugar onde se constrói descanso, autonomia e pertencimento em um mundo que insiste em ser imprevisível. Se as cidades conseguirem acompanhar esse movimento, não será apenas a Geração Z que ganhará — será toda a sociedade.





