Durante anos, o bege foi o tom do consenso. Em meio a paredes claras, linhas retas e móveis funcionais, o estilo escandinavo minimalista dominou não só os catálogos e mostras de design, como também os feeds das redes sociais. Mas como toda tendência que se estende por tempo demais, ela começa a cansar. E quem está puxando a mudança são os jovens da Geração Z, que veem nesse universo neutro não mais um respiro, mas um silêncio desconectado de suas vivências.
A nova onda é clara: sair do previsível e abraçar o inesperado, o imperfeito e o autoral. Para essa geração, formada em meio a hiperconexões e identidades múltiplas, a casa precisa ser mais do que bonita — precisa ser autêntica. A neutralidade das paletas monocromáticas já não traduz a pluralidade que esses jovens carregam. Segundo a arquiteta e pesquisadora de tendências Vanessa Leite, “o décor atual é uma resposta emocional à padronização digital. Cada elemento escolhido quer contar uma história, provocar ou emocionar”.
Da estética limpa ao caos organizado: um novo olhar para o lar
A substituição do bege por cores ousadas e composições ecléticas não é um ato aleatório. É quase uma resistência silenciosa à estética pasteurizada que tomou conta dos interiores nos últimos dez anos. Agora, os móveis têm curvas inesperadas, os objetos são garimpados em brechós ou herdados de gerações passadas, e o mix de estilos ganha força sobre qualquer regra clássica de combinação.

Nesse novo cenário, a simetria cede lugar ao improviso bem-pensado. Uma cômoda antiga pode conviver com uma luminária de design contemporâneo, e não há qualquer constrangimento em deixar um quadro torto ou uma estante lotada de pequenos objetos que falam mais sobre o morador do que sobre tendências.
O arquiteto Felipe Carpaneda, que assina projetos autorais voltados à nova geração, aponta: “Há um desejo quase visceral por ambientes que não pareçam cenográficos. É a estética da imperfeição assumida. Isso inclui desgastes, cores saturadas, texturas brutas e até mesmo móveis considerados ‘estranhos’. Tudo isso traduz vivência.”
Mais que decoração: expressão emocional e visual
Para a Geração Z, decoração é linguagem. Os ambientes funcionam como um espelho de afetos, identidades e escolhas. O velho vaso branco solitário foi substituído por arranjos diversos, lembranças de viagem, colagens, livros empilhados, cerâmicas pintadas à mão e, por que não, plantas falsas com valor sentimental.

As paredes perdem o medo da cor: do azul elétrico ao verde oliva, passando por laranjas queimados e roxos intensos. Nada é proibido. As regras de coordenação de cores já não servem. Em seu lugar, entra o instinto e a liberdade de experimentar. Papel de parede? Sim. Mas agora ele pode ser listrado, floral ou até rabiscado à mão, com colagens e adesivos pessoais compondo o cenário.
Essa liberdade criativa encontra também um cenário propício: a era das reformas pontuais e do reaproveitamento. Em vez de grandes transformações estruturais, os jovens preferem intervenções acessíveis, como pintar uma parede, trocar capas de almofadas ou pendurar novas obras — muitas vezes feitas por artistas locais ou por eles mesmos.
Do ideal ao real: casas que contam histórias
Se antes o ideal era ter uma casa “de revista”, agora o objetivo é criar uma casa com alma. A lógica dos ambientes instagramáveis dá lugar a espaços verdadeiramente vividos, com tapetes antigos herdados da avó, uma poltrona que ninguém sabe de onde veio, e um quadro comprado em uma feira de rua no verão passado.

A Geração Z mostra que o futuro da decoração passa pelo que é pessoal, múltiplo e imperfeito. O bege pode até permanecer em algumas paredes, mas perdeu o posto de protagonista. Agora, ele divide espaço — e holofote — com uma estética mais ousada, fluida e emocional.
Como conclui Vanessa Leite: “A casa virou um manifesto silencioso. Não importa se é alugada, se é pequena ou se está longe do ideal. Ela precisa fazer sentido para quem vive ali. E isso, definitivamente, vai além de qualquer tendência monocromática.”