Resumo
• A COP30 destacou como a inovação e a economia circular podem transformar indústrias e criar soluções reais para desafios ambientais e sociais, com foco em ecossistemas conectados.
• Pesquisadores do CEPID Bridge defenderam que a transição sustentável depende da articulação entre inovação, empreendedorismo e conhecimento científico para gerar impacto sistêmico.
• Especialistas como Leonardo A. V. Gomes e Aldo Ometto reforçaram que práticas isoladas não bastam: é necessária a orquestração de múltiplos atores para que a economia circular avance de verdade.
• A indústria brasileira enfrenta obstáculos como financiamento caro e falta de conhecimento pós-consumo, mas o debate sinalizou avanços e necessidade de incentivos mais claros.
• Representantes internacionais mostraram que coordenação e cooperação são essenciais, reforçando que soluções regenerativas só se consolidam quando economia e natureza caminham juntas.
A COP30, realizada em Belém, transformou novamente o cenário global das discussões climáticas em um espaço privilegiado para repensar o futuro. Em meio às negociações diplomáticas e às metas de descarbonização, um dos debates que mais chamou atenção foi aquele dedicado ao papel da inovação como força capaz de remodelar a economia, regenerar ecossistemas e enfrentar desigualdades sociais ainda muito presentes. Em um mundo que já não pode esperar, a ideia de construir soluções sustentáveis deixou de ser tendência e passou a ser urgência.
Durante o evento, pesquisadores do CEPID Bridge — iniciativa financiada pela FAPESP para estruturar ecossistemas voltados a transições sustentáveis — apresentaram uma visão que amplia o entendimento tradicional sobre economia circular. A proposta não se resume a reciclar ou reduzir impactos, mas a criar sistemas conectados capazes de gerar inovação industrial de baixo carbono, em escala e com impacto social.
Segundo Leonardo Augusto de Vasconcelos Gomes, professor da FEA-USP e coordenador-executivo do CEPID Bridge, o momento exige articulação profunda entre diferentes atores. “Estamos em um processo de letramento sobre esses ecossistemas e queremos trabalhar formas de sua orquestração e gestão. A COP é uma excelente oportunidade para divulgarmos esse trabalho”, afirmou o pesquisador, reforçando que a transição sustentável depende de redes colaborativas, não de ações isoladas.
Economia circular como resposta à lógica linear do século passado
A economia circular, que contrapõe o modelo de “produzir-usar-descartar”, surge como alternativa eficiente para lidar com a escassez de recursos e com a necessidade de regeneração ambiental. Não se trata apenas de ampliar a vida útil dos materiais, mas de transformar a lógica industrial ao integrar inovação, empreendedorismo e conhecimento científico como pilares indissociáveis.
Gomes apresentou três ecossistemas que estruturam esse processo: o da inovação, que reúne organizações focadas em criar produtos e serviços sustentáveis; o do empreendedorismo, que estimula startups e modelos de negócio disruptivos; e o do conhecimento, guiado principalmente por universidades e centros de pesquisa.
É dentro desse tripé que a economia circular ganha força para transformar setores que ainda enfrentam obstáculos significativos, como destacou Aldo Ometto, coordenador de inovação do Bridge. “Não adianta adotarmos práticas isoladas de economia circular se não buscarmos conectar os diversos atores para a formação de ecossistemas que possam realmente gerar inovação sistêmica”, reforçou o professor da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP).
Desafios estruturais e o papel da indústria brasileira
Embora grandes empresas já avancem em práticas circulares, a realidade das pequenas e médias indústrias ainda é marcada por entraves estruturais. Entre os fatores mais citados estão os custos de financiamento, as dificuldades de acesso à tecnologia e a falta de compreensão da população sobre a importância da circularidade no pós-consumo.
Mesmo assim, o setor produtivo nacional tem mostrado esforço para se alinhar às novas exigências ambientais. Representantes do governo e da Confederação Nacional da Indústria ressaltaram, durante o debate, que o país começa a caminhar para uma agenda industrial mais resiliente, mas que ainda é necessário ampliar incentivos, corrigir distorções e facilitar a implementação de soluções sustentáveis.
Inovação global e lições internacionais
A presença de instituições internacionais no debate, como o Business Finland, trouxe comparações importantes sobre como outros países lidam com a transição industrial. Helena Sarén, representante da entidade, destacou que, mesmo em economias mais estáveis, o maior desafio não é apenas o financiamento, mas a capacidade de coordenar diferentes atores e alinhar uma proposta de valor conjunta. A mensagem é clara: inovação sem cooperação é apenas intenção.
Essa perspectiva reforça o alerta de Aldo Ometto, que vê na COP um espaço simbólico e estratégico para reposicionar a relação entre economia, natureza e sociedade. “Precisamos gerar impactos positivos, soluções regenerativas. Espero que a COP, no coração da Amazônia, mostre ao mundo que só na natureza e com ela podemos encontrar soluções para nossa sobrevivência”, afirmou o pesquisador, num chamado que ecoa para além do evento.
Um futuro que exige coragem, ciência e novas alianças
O debate na COP30 demonstrou que o caminho para enfrentar desafios sociais e ambientais é complexo, mas absolutamente possível. A inovação deixa de ser uma vitrine tecnológica e passa a ser ferramenta de transformação, sustentada por ecossistemas colaborativos, políticas públicas claras e uma visão de futuro que coloque a natureza no centro das decisões.
O Brasil, especialmente em um momento de protagonismo global, encontra na economia circular uma oportunidade única para reposicionar sua indústria, fortalecer comunidades e construir soluções com impacto real. E, como lembraram os especialistas presentes no evento, essa mudança só será consolidada se houver coragem para abandonar modelos ultrapassados e investir em alianças inteligentes, capazes de regenerar o que já não pode mais ser apenas explorado.





