Com as temperaturas subindo ano após ano e as ondas de calor se tornando cada vez mais frequentes até em regiões antes consideradas amenas, repensar a forma como construímos e reformamos tornou-se mais do que necessário: é uma urgência. E, entre as soluções acessíveis para tornar os ambientes internos mais agradáveis e frescos, está uma aliada surpreendente – a cor da fachada.
Engana-se quem pensa que a escolha da tinta externa é apenas uma questão de gosto. A tonalidade aplicada nas paredes externas interfere diretamente na absorção ou reflexão do calor solar, alterando a temperatura dentro dos ambientes. E a diferença, segundo estudos recentes e a prática dos especialistas, pode ser sentida no conforto térmico – e também no bolso, com a redução no uso de ventiladores e ar-condicionado.
Tons claros refletem, tons escuros aquecem – mas a realidade vai além do óbvio
De maneira geral, as cores claras refletem mais luz solar e, portanto, absorvem menos calor. Já as tintas escuras tendem a absorver mais os raios solares, elevando a temperatura da superfície e aquecendo a estrutura da edificação. Mas a equação não é tão simples. Segundo o arquiteto e urbanista Diego Trindade, especializado em conforto ambiental, “há cores que, embora pareçam inofensivas, acumulam muito calor, principalmente por causa da composição química dos pigmentos”.
O tipo de tinta, a presença de partículas metálicas, a opacidade e até o acabamento (fosco ou brilhante) alteram a refletância solar – ou seja, a capacidade de refletir os raios solares, especialmente a radiação infravermelha, que é a principal responsável pelo aquecimento de superfícies. “Não é só o branco que refresca. Existem tons claros com desempenho térmico inferior ao de alguns beges, cinzas ou até tons pastéis. A informação técnica precisa estar clara para o consumidor”, pontua Trindade.
Temperatura da fachada: uma diferença de até 30 °C entre as cores
Sob o sol do meio-dia, uma fachada com tinta escura pode atingir mais de 70 °C. Já uma superfície pintada com uma cor clara e com boa capacidade de reflexão solar dificilmente ultrapassa os 40 °C, mesmo em dias muito quentes. Isso se traduz em até 30 °C de diferença térmica na superfície, que acaba irradiando calor para dentro da casa.
A arquiteta Luiza Moura, que atua em projetos de arquitetura bioclimática no Centro-Oeste brasileiro, alerta para um erro comum: “É preciso sair da escolha baseada apenas na aparência. O ideal é buscar tintas com alta refletância solar, e hoje já existem até tintas térmicas voltadas para fachadas, que reduzem consideravelmente a absorção de calor mesmo em tons médios.”
Ela lembra ainda que a norma NBR 15220 da ABNT já traz diretrizes sobre o desempenho térmico dos materiais, mas essas informações dificilmente aparecem nos rótulos das embalagens. “Seria fundamental termos esse dado ao lado da paleta de cores. Assim como olhamos o fator solar de películas de vidro, deveríamos olhar o índice de refletância das tintas.”
Quando a estética pesa mais que o conforto: os riscos do excesso de calor
Fachadas pintadas de preto ou tons muito escuros, apesar de esteticamente ousadas e modernas, podem representar um problema térmico. O concreto e a alvenaria absorvem o calor gerado pela superfície e o mantêm por horas, irradiando para o interior da casa mesmo depois do pôr do sol. Isso pode causar fissuras, desgaste precoce dos materiais e ainda comprometer o conforto dos moradores.
Além disso, a necessidade de refrigeração artificial aumenta, impactando o consumo de energia e o custo com climatização. A escolha da tinta externa, nesse contexto, se torna estratégica, inclusive para quem deseja um lar mais sustentável e eficiente.
Não é só a tinta: sombra e vegetação também são aliadas
Apesar da cor da fachada exercer influência direta na temperatura, ela não atua sozinha. Elementos como jardins verticais, beirais, brises, varandas e árvores no entorno da casa ajudam a proteger as superfícies das radiações solares diretas. Essa combinação entre tinta certa e soluções arquitetônicas bem planejadas pode transformar a experiência térmica da residência, inclusive em cidades com clima severo.
A escolha de uma tinta de fachada adequada ao clima local, que combine boa durabilidade, resistência à umidade e alta refletância solar, é um investimento inteligente. Especialmente em um cenário de mudanças climáticas, pequenas decisões como essa fazem grande diferença na qualidade de vida dentro de casa.