A precisão que antes dependia da experiência e da sensibilidade de um especialista agora é aprimorada por algoritmos. Dois sistemas de visão artificial desenvolvidos em São Paulo estão transformando o modo como o setor madeireiro e moveleiro identifica, classifica e certifica a origem das madeiras. O avanço representa um marco na aplicação da inteligência artificial na indústria florestal, unindo tecnologia, sustentabilidade e eficiência produtiva.
Tradicionalmente, a classificação de madeiras é realizada por meio de inspeção visual humana — um processo subjetivo e suscetível a erros, com acertos médios de apenas 65%. Cada avaliador depende do próprio repertório e treinamento, o que cria variações entre resultados. Para superar essas limitações, pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Itapeva, e do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, desenvolveram com o apoio da FAPESP o NeuroWood, um sistema composto por câmeras e um software capaz de distinguir a madeira em três categorias de qualidade: excelente, boa e rejeitada.
O NeuroWood utiliza aprendizado de máquina para interpretar imagens de superfície das tábuas e atribuir classificações precisas em segundos. Segundo os pesquisadores, o objetivo é reduzir custos e eliminar a subjetividade na análise, oferecendo às indústrias uma ferramenta confiável para controle de qualidade e padronização dos produtos.
Software brasileiro com precisão inédita
Paralelamente, outro grupo de cientistas do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP) desenvolveu um software matemático capaz de identificar a espécie da madeira a partir de uma simples imagem digital. O sistema analisa padrões microscópicos da textura e estrutura das fibras, alcançando um índice de acerto de 88% em nível de espécie botânica, 89% em gênero e 90% em família. A inovação não apenas aumenta a eficiência da indústria, mas também tem potencial de uso em fiscalização ambiental, ajudando a detectar madeiras provenientes de áreas de preservação ou espécies ameaçadas.
O cientista da computação Odemir Martinez Bruno, coordenador do projeto, explica que a tecnologia é fruto de um estudo de longo prazo sobre biodiversidade e fisiologia vegetal com uso de computação. Para ele, o avanço consolida uma ponte entre ciência e conservação: “O sistema pode auxiliar fiscais na verificação da origem das madeiras, assegurando que não sejam oriundas de reservas florestais ou espécies protegidas”.
Sustentabilidade e rastreabilidade na indústria
Além de reduzir perdas na cadeia produtiva, os novos sistemas apontam para um futuro mais sustentável. A rastreabilidade digital da madeira permite que empresas e órgãos de fiscalização acompanhem todo o ciclo do material — da extração à fabricação de móveis e pisos. Isso fortalece políticas de controle ambiental, evita o comércio ilegal e contribui para a preservação de espécies nativas.
Segundo Bruno, a aplicação das tecnologias não se limita às indústrias madeireira e moveleira. Os mesmos princípios podem ser adaptados para outras áreas da biologia e da agronomia, aprimorando a análise de texturas naturais, folhas, sementes e até alimentos. “A visão artificial é uma ferramenta poderosa para compreender a natureza com a precisão que antes só a observação direta permitia”, afirma.





