Quem nunca sonhou com a liberdade de viver no mar? Sentir a brisa suave da maresia ao acordar, o calor do sol ao entardecer e vê-lo desaparecer no horizonte. Esse desejo por paz e leveza inspira muitas pessoas a adotarem embarcações como moradia.
“Viver ao ar livre e sem um lugar fixo encanta o imaginário”, afirmam as arquitetas Carolina Castilho e Marianna Teixeira, à frente da Freijó Arquitetura. No entanto, a arquitetura de interiores para barcos apresenta particularidades importantes em relação aos projetos residenciais.
Segundo elas, questões como segurança, adaptações para otimizar o espaço, escolha de mobiliário e materiais diferem bastante da aplicação em casas e apartamentos. “A principal diferença está no fato de se tratar do interior de um ambiente móvel”, explica Carol, cuja carreira começou em um estaleiro de iates, onde atuou por dez anos em São Paulo.
Com uma área do escritório dedicada ao segmento náutico, as arquitetas elencam 10 pontos essenciais sobre os projetos que desenvolvem.
Um pouco de história

O estilo de decoração náutico tem raízes na estética da marinha britânica do século XIX, marcada por uniformes em azul marinho e branco. “Coco Chanel ajudou a popularizar esse visual ao lançar as peças navy, como a famosa blusa marinière, de listras brancas e azuis”, conta Marianna.
Projetos residenciais x náuticos
Diferentemente das construções terrestres, os projetos náuticos exigem atenção redobrada em diversos aspectos ligados à segurança. “O peso dos móveis e materiais é uma das principais preocupações, pois influencia diretamente no comportamento e na segurança da embarcação”, destaca Carol.

“Acessos às saídas de emergência e ao acesso a manutenção precisam ser cuidadosamente planejados, já que qualquer falha mecânica, elétrica ou hidráulica deve poder ser resolvida rapidamente em alto-mar”, completa.
Principais desafios
“Projetar um iate é como colocar uma mansão dentro de uma kitnet”, resume Carol. As necessidades de uso são amplas, mas o espaço é extremamente restrito. Além disso, ao contrário das casas, que têm paredes e pisos ortogonais, as embarcações têm superfícies curvas que são, muitas vezes, o próprio casco.

Essa particularidade reduz as áreas de piso úteis e torna o desenvolvimento do projeto mais complexo. “Se tudo não for muito bem pensado, desperdiçam-se espaços preciosos”, alerta a arquiteta.
Equilíbrio entre funcionalidade, conforto e beleza
Diante das inúmeras restrições técnicas e espaciais, as profissionais adotam a metodologia da ‘espiral do projeto’. A prática consiste em avaliar o projeto de maneira interdisciplinar, aprimorando-o gradualmente a cada etapa. “É um processo de amadurecimento contínuo”, explica Marianna.

Não há como pensar o interior sem compatibilizar arquitetura, estrutura, elétrica, hidráulica, mecânica, segurança e estudo de estabilidade. “As soluções surgem a partir do entendimento sobre quem usará o barco e alinhá-las à engenharia envolvida na construção e operação da embarcação”, afirmam.
Materiais e revestimentos
Ao especificar materiais para projetos náuticos, elas alertam que é preciso considerar as intempéries: maresia, umidade e intensa exposição solar – até as ferragens exigem atenção.

“Para mesas, por exemplo, pedras mais leves, como uso de honeycomb para alívio de peso, são excelentes alternativas. Já na marcenaria, substituir o MDF pelo compensado naval garante resistência e menor peso”, orienta Carol.
Escolha do mobiliário
O espaço compacto faz da ergonomia um desafio, uma vez que é primordial garantir conforto sem desperdiçar centímetros.

Os corredores e vãos das embarcações são naturalmente mais estreitos do que em projetos residenciais — o que, além de otimizar o espaço, ajuda o usuário a se apoiar durante o movimento do barco. “Para evitar a sensação de claustrofobia, vale apostar em tons claros”, recomenda Marianna.
Traduzindo o estilo do cliente
De acordo com elas, o ponto de partida é sempre entender o perfil do proprietário. “Assim como na arquitetura residencial, tudo começa com um bom briefing”, afirma Carol. Saber se o cliente passará dias embarcado ou pretende apenas realizar passeios curtos influenciam totalmente na distribuição do espaço. “O número de pessoas também é determinante para idealizar o tamanho das áreas de refeições até a quantidade de armários”, enumera Marianna.

Como os espaços são reduzidos, a tomada de decisões deve ser cuidadosa. “Em um barco, qualquer escolha priorizada compromete outra, então precisamos entender profundamente o que é mais relevante para o proprietário da embarcação”, ressalta Carol.
Tendências atuais
Entre as referências mais fortes, elas destacam o uso de grandes superfícies envidraçadas onde for possível. “Os panos de vidro ampliam a integração entre o interior e exterior, trazendo o mar para dentro do projeto”, destaca Marianna. A menor compartimentação dos ambientes e a multifuncionalidade auxiliam no ganho de espaço.

“Muitas vezes o barco precisa funcionar como área de lazer, espaço de convivência e até home office. Isso exige soluções sob medida tal qual uma alfaiataria naval”, compara Carol.
O bem-estar também é pauta. “É comum pedidos de ambientes voltados para a meditação, sauna, spa e práticas de wellness, possibilidades que reiteram a presença do autocuidado dentro dos iates”, afirma Marianna. Ademais, materiais eco-friendly e paletas naturais também estão entre as preferências atuais.
Futuro da arquitetura naval
“O avanço dos produtos sustentáveis é inevitável e no mercado naval não será diferente”, pontua Carol que observa a movimentação da indústria náutica para a produção de embarcações mais eco-friendly.
“Acreditamos que o próprio público vai impulsionar essa transformação, demandando barcos alinhados aos princípios ecológicos e comprometidos com o meio ambiente”, conclui Marianna.





