Resumo
- Resíduos de papel-moeda descartado estão sendo transformados em móveis e objetos de design, unindo inovação, arte e sustentabilidade.
- No Brasil, o Instituto Tran$forma reaproveita aparas e sobras da Casa da Moeda para criar cadeiras e esculturas ecológicas.
- As peças, licenciadas pela Seat&Co, misturam polipropileno e fragmentos de notas, resultando em texturas únicas que lembram o granilite.
- O projeto britânico “Reconstructing Value” também deu novo uso a 2,5 milhões de libras, criando bancos expostos em Londres.
- Essas iniciativas mostram como o design circular redefine o valor dos materiais e amplia o papel da sustentabilidade na decoração.
O que antes era literalmente dinheiro descartado, agora se transforma em cadeiras, esculturas e objetos decorativos cheios de personalidade. Em um momento em que a sustentabilidade se impõe como uma diretriz essencial na arquitetura e no design de interiores, os resíduos de papel-moeda ganham protagonismo como matéria-prima inusitada, mas altamente eficiente. Entre propostas artísticas na Inglaterra e soluções práticas no Brasil, os móveis sustentáveis feitos com notas de dinheiro recicladas se firmam como símbolo de reinvenção e reaproveitamento inteligente.
Essa surpreendente aplicação do design circular começa a ganhar visibilidade pública por meio de iniciativas que unem pesquisa, técnica e criatividade — e mostram como até mesmo o lixo mais improvável pode ser ressignificado com sofisticação e propósito.
Cédulas que viram móveis: o caso brasileiro
No Brasil, uma iniciativa pioneira tem dado novo destino a um tipo de resíduo que, até pouco tempo, era simplesmente descartado. Trata-se de sobras da produção de cédulas do Real, como bordas, folhas com falhas de impressão e aparas de corte, que passaram a ser incorporadas à composição de móveis e objetos com forte apelo sustentável.

À frente do projeto está o Instituto Tran$forma, fundado por Patrício Malvezzi, CEO da Equipa Group. “Identificamos uma oportunidade concreta de transformar resíduos valiosos em mobiliários duráveis e com forte apelo simbólico. A parceria com a Casa da Moeda e a formalização do contrato em 2019 foram passos fundamentais para consolidar essa proposta de economia circular aplicada ao design”, explica o executivo.
Segundo a Casa da Moeda do Brasil, as peças não utilizam cédulas já em circulação. Todo o material reaproveitado vem dos resíduos industriais do processo de fabricação — ou seja, nenhum real foi efetivamente usado como dinheiro antes de virar banco ou cadeira.
Cadeiras com cara de granilite e valor ecológico
As cadeiras Arms e Eames, licenciadas pela marca Seat&Co, são exemplos de como o design pode incorporar o reaproveitamento sem abrir mão da estética e da funcionalidade. Produzidas com polipropileno virgem e fragmentos de papel-moeda triturado, elas chamam atenção pela aparência singular, que lembra o granilite, além de representar um gesto concreto de sustentabilidade.
“Esse papel-moeda, tecnicamente chamado de papel de segurança, é composto majoritariamente por fibras de algodão, o que garante resistência, durabilidade e 100% de reciclabilidade. Essa composição permite que o material se transforme em novos produtos sem comprometer sua integridade”, detalha Patrício Malvezzi.
As cadeiras podem ser encomendadas com fragmentos visíveis de notas de R$ 2, R$ 5, R$ 10, R$ 20, R$ 50, R$ 100 e R$ 200, o que resulta em texturas e cores distintas, conforme o resíduo utilizado. A produção é feita sob demanda, mantendo o caráter artesanal das peças e reforçando o conceito de exclusividade no mobiliário sustentável.
Técnica refinada e licenciamento rigoroso
O trabalho do Instituto Tran$forma envolve desde o recebimento do papel-moeda triturado até o desenvolvimento de novos materiais, que são então aplicados por empresas licenciadas. “O processo não segue um único modelo. Cada objeto exige uma abordagem própria, com diferentes níveis de fragmentação e combinação de materiais, como resinas epóxi, acrílica e poliuretano”, explica o fundador da iniciativa.

A produção é minuciosa, pensada para preservar as características naturais do material e adaptá-lo às exigências de cada projeto. O controle rigoroso do uso e da comercialização é feito por meio de contratos específicos com marcas parceiras, garantindo que apenas empresas autorizadas possam produzir as peças com resíduos de papel-moeda.
Além das cadeiras, o Instituto já participou da criação de esculturas — como a réplica do Cristo Redentor feita com fragmentos de cédulas, lançada em edição limitada em 2021 — e continua desenvolvendo projetos sob encomenda com foco em instituições públicas, culturais e empresas com agendas voltadas à sustentabilidade.
Design com impacto real e simbólico
Para além da estética, os móveis criados a partir do reaproveitamento de papel-moeda carregam um valor simbólico poderoso. Eles desafiam a ideia de obsolescência e apontam caminhos viáveis para a indústria do mobiliário e da decoração, que busca, cada vez mais, alinhar beleza e responsabilidade ambiental.
“O papel-moeda reciclado pode ser usado como pigmento, granulado ou composto técnico, o que nos permite explorar diferentes técnicas e aplicações — desde objetos artísticos até móveis de grande porte. Trata-se de um material extremamente versátil e com forte potencial de transformação”, reforça Patrício Malvezzi.
Essa visão é compartilhada pela Casa da Moeda, que também reconhece a importância do projeto para a cadeia produtiva e o impacto ambiental positivo. “Trata-se de uma solução que une eficiência técnica, inovação estética e contribuição ambiental, sem comprometer a segurança da moeda nacional”, destaca a instituição.
Arte, consciência e futuro
No Reino Unido, um movimento semelhante foi levado ao London Design Festival, em 2025, onde 2,5 milhões de libras fora de circulação foram transformadas em uma instalação artística com bancos curvos, expostos no Museu do Banco da Inglaterra. A obra, intitulada “Reconstructing Value”, contou com a participação da designer Saskia Boersma, do coletivo SurfaceMatter e do estúdio Plasticiet, responsável pelo polímero que aglutina as fibras de papel triturado.
A criação reforça o poder do design como linguagem crítica e transformadora. E, mesmo em contextos distintos, como o brasileiro e o britânico, ambos os projetos mostram que o que antes era símbolo de consumo, hoje pode ser símbolo de consciência — e isso redefine, inclusive, o valor do próprio design.





