O universo das artes visuais amanheceu mais silencioso com a morte inesperada de Koyo Kouoh, uma das mais brilhantes e influentes figuras da curadoria internacional. Aos 56 anos, a intelectual camaronense, que havia sido anunciada como curadora da Bienal de Veneza de 2026, partiu no auge de sua trajetória, deixando um legado profundo de representatividade, coragem e transformação cultural.
Com sua atuação à frente do Zeitz Museum of Contemporary Art Africa (Zeitz MOCAA), na Cidade do Cabo, Kouoh vinha reconfigurando os contornos da arte global, inserindo narrativas africanas em espaços historicamente excludentes. A notícia de sua morte foi divulgada com pesar pela própria instituição em suas redes sociais, gerando comoção entre artistas, curadores e pensadores de diversos continentes.
Um olhar que atravessava fronteiras
Mais do que curadora, Kouoh era uma pensadora transnacional. Dominando diversas línguas — francês, inglês, alemão, italiano e até russo — ela transitava com desenvoltura entre culturas e continentes, sempre impulsionada pela busca de conexões simbólicas e visões plurais. Sua abordagem crítica, porém acessível, tornou-se uma referência em exposições que fugiam do exótico e do estereotipado, oferecendo ao mundo uma África complexa, pulsante e inovadora.
Ao fundar a RAW Material Company, em Dacar, em 2009, ela criou um espaço de reflexão e produção artística que dialogava diretamente com os desafios políticos, sociais e estéticos do continente africano. A instituição logo se tornou um dos epicentros da arte contemporânea na região, reconhecida por sua independência e força crítica.
A conquista inédita na Bienal de Veneza
Em dezembro de 2023, Kouoh foi nomeada curadora da 60ª edição da Bienal de Veneza, tornando-se a primeira mulher africana a ocupar o cargo desde a criação do evento, em 1895. A escolha foi celebrada como um marco histórico — e não apenas pela quebra de paradigmas, mas também pelo simbolismo de ver uma mulher negra liderando o evento artístico mais prestigiado do mundo.
Na ocasião, Pietrangelo Buttafuoco, presidente da Bienal, ressaltou que Koyo simbolizava o compromisso da instituição com “um pensamento inovador, sem perder o rigor intelectual”. Ela havia sido escolhida para articular a exposição central da Bienal, além de promover diálogos entre os pavilhões nacionais, com propostas que desafiariam as hierarquias culturais ainda vigentes no circuito artístico.
Uma vida entre continentes e visões
Nascida em Camarões e criada na Suíça, Kouoh sempre viveu entre múltiplas realidades. Sua trajetória combinava a precisão europeia com a sensibilidade de uma África em ebulição criativa. Entre seus projetos mais reconhecidos, destacam-se as colaborações com as edições 12 e 13 da Documenta, em Kassel, e sua atuação como conselheira e curadora da feira 1-54, voltada à arte africana contemporânea.
Seu olhar curatorial era marcado pela urgência política e pelo apreço estético, com atenção a discursos marginalizados e novas práticas visuais. Mas o que mais encantava era sua maneira serena e direta de conduzir o trabalho — uma presença que impunha respeito e proximidade ao mesmo tempo.