Na interseção entre tecnologia e criatividade, um novo capítulo está sendo escrito no campo da arquitetura, do urbanismo e do design — e ele tem como cenário os laboratórios e plataformas digitais da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU). Em um esforço pioneiro, pesquisadores da universidade têm explorado as potencialidades da inteligência artificial como ferramenta para democratizar o acesso ao conhecimento científico e reimaginar os modos de registro, pesquisa e apresentação de acervos visuais.
Mais do que um experimento técnico, trata-se de um avanço com forte carga simbólica: ao utilizar algoritmos e modelos computacionais, a universidade pública se coloca como protagonista de uma discussão urgente sobre como as novas tecnologias podem — e devem — ser usadas para aproximar a ciência da sociedade.
Um projeto colaborativo com vocação experimental
O projeto “Experiência Arquigrafia 4.0”, vinculado à FAU-USP e apoiado pela FAPESP, opera em duas frentes: a primeira foca na divulgação científica, explorando recursos de vídeo baseados em inteligência artificial; a segunda investe em novos métodos de catalogação de imagens em acervos digitais.
Coordenado pelo professor Artur Rozestraten, o projeto parte da plataforma colaborativa Arquigrafia, que já conta com mais de 14 mil imagens de edifícios e espaços urbanos de países lusófonos. A proposta é ambiciosa: usar recursos de IA para identificar, classificar e reorganizar visualmente esses registros, abrindo novas possibilidades de análise e pesquisa. Trata-se de um campo em que o algoritmo não substitui o olhar humano, mas atua como parceiro na descoberta de relações antes invisíveis entre formas, materiais, estilos e funções.
A ideia, segundo Rozestraten, é usar os arranjos sugeridos pela IA como ponto de partida, e não como resposta definitiva. Isso permite refinar filtros e extrair recortes mais precisos a partir de interesses específicos, como elementos arquitetônicos ou contextos urbanos.
A IA como agente de popularização do conhecimento
Outra inovação do projeto está na produção de conteúdos audiovisuais com IA para fins de divulgação científica. A ferramenta utilizada — a plataforma Synthesia — permite a criação de vídeos com avatares e vozes sintéticas a partir de roteiros editáveis. O objetivo não é substituir a mão humana, mas agilizar processos e democratizar recursos que antes exigiam infraestrutura mais complexa.
O designer Gustavo Alves Machado, bolsista do projeto, destaca que essa automação oferece uma oportunidade única para grupos de pesquisa que não contam com equipes dedicadas de comunicação. A IA, nesse sentido, atua como facilitadora — embora a curadoria humana continue essencial para garantir a qualidade final dos vídeos e a fidelidade científica do conteúdo.
Para Rozestraten, mais do que explorar a IA de forma neutra, o projeto adota uma postura crítica e propositiva. Isso significa usar a tecnologia de maneira consciente, respeitando os limites éticos e valorizando a intencionalidade por trás de cada decisão editorial.
Catalogar imagens é revelar novas camadas de leitura
A segunda frente do projeto, conduzida em parceria com a professora Giselle Beiguelman, também da FAU-USP, foca no uso de modelos de visão computacional para “escavar” imagens e extrair delas dados latentes. Elementos como portas, janelas, escadas, materiais construtivos e peças de mobiliário podem ser detectados automaticamente, permitindo novas formas de cruzamento entre imagens e facilitando a pesquisa visual em arquitetura.
Em vez de depender apenas de metadados inseridos manualmente, os sistemas de IA analisam os próprios pixels das imagens e criam novos caminhos de catalogação — mais dinâmicos, adaptáveis e abertos a interpretações variadas.
Esses experimentos mostram que a tecnologia não está sendo aplicada como fim em si mesma, mas como um meio para expandir as possibilidades de leitura, análise e ensino no campo da arquitetura.





