Resumo
• Pesquisadores da RMIT descobriram que a borra de café pode substituir parte da areia no concreto, aumentando sua resistência e reduzindo impactos ambientais.
• O biochar obtido por pirólise a 350°C melhora o desempenho do material em até 30% e diminui a extração de recursos naturais.
• O estudo registrou redução de 15% a 26% nas emissões de CO₂ e queda de até 31% no uso de combustíveis fósseis ao longo do ciclo de vida.
• A tecnologia contribui para metas de economia circular, transformando um resíduo abundante em um insumo funcional e de baixo impacto.
• Projetos-piloto já testam o concreto com biochar em calçadas e no Victorian Big Build, ampliando o caminho para obras mais sustentáveis.
A transformação da borra de café em uma matéria-prima para concreto sustentável está deixando de ser apenas uma possibilidade teórica e se tornando um avanço real dentro da ciência dos materiais. Enquanto o consumo mundial da bebida gera toneladas de resíduos todos os dias, pesquisadores vêm abrindo caminho para um destino mais inteligente e estratégico para esse subproduto tão comum. Em vez de ir para o lixo, ele pode ganhar uma nova vida como agente de reforço estrutural, reduzindo a dependência de recursos naturais e diminuindo a pegada de carbono da construção civil — um setor historicamente crítico no impacto ambiental global.
O interesse por essa solução cresceu após novas análises conduzidas por cientistas da RMIT University, na Austrália, mostrarem que o biochar produzido a partir da borra de café mantém o desempenho mecânico observado em pesquisas iniciais e ainda amplia os benefícios ambientais ao longo de todo o ciclo de vida do concreto. A combinação entre inovação, reaproveitamento e eficiência energética coloca o café no centro de um debate urgente: como construir mais e melhor sem aumentar o impacto no clima.
A ciência por trás da transformação do café em concreto
O estudo, publicado no International Journal of Construction Management, analisou cada etapa do processo, desde a conversão da borra de café em biochar até o descarte das estruturas produzidas com esse composto. Para chegar ao material final, a borra é aquecida a cerca de 350°C, sem a presença de oxigênio — um processo conhecido como pirólise, responsável por preservar características químicas que favorecem sua atuação como substituto parcial da areia.
Os pesquisadores descobriram que, quando até 15% da areia do concreto é substituída por biochar, o resultado é um material cerca de 30% mais resistente. Essa performance surpreendente se soma a outro ganho essencial: a redução da extração de areia, um recurso cada vez mais escasso e alvo de pressão global devido ao excesso de demanda da indústria da construção.
Além da eficiência mecânica, o estudo apontou quedas expressivas nas emissões ao longo do ciclo de vida, variando entre 15% e 26% de CO₂, dependendo da proporção de biochar usada. A avaliação também registrou uma diminuição de até 31% no uso de combustíveis fósseis, reforçando o potencial do material como alternativa verdadeiramente ecológica.
Menos resíduos, menos carbono: um passo real rumo à construção verde
O valor desse avanço está no fato de que o café é um resíduo abundante, produzido diariamente em cafeterias, restaurantes e casas ao redor do mundo. Transformá-lo em um insumo que melhora a resistência do concreto e reduz emissões cria um círculo virtuoso entre produção, consumo e descarte — exatamente o que metas de economia circular e emissões zero exigem.
A pesquisa sugere que o concreto enriquecido com biochar pode ser aplicável não apenas em estruturas de grande porte, mas também em obras urbanas cotidianas, onde o impacto ambiental cumulativo é significativo. A inovação também oferece uma resposta prática para regiões que enfrentam escassez de areia, problema que vem se intensificando globalmente devido ao uso excessivo do material.
Do laboratório à calçada: o desafio de escalar a solução
Depois de validar o desempenho em ensaios laboratoriais, os pesquisadores já iniciam conversas com governos e empresas para levar o material ao ambiente real. Entre as primeiras iniciativas, está a inclusão do biochar de café em trechos de calçadas e no projeto Victorian Big Build, que serve como vitrine para tecnologias de infraestrutura de baixo impacto ambiental.
Os próximos passos envolvem testar diferentes proporções, avaliar a durabilidade em longo prazo e compreender como o material se comporta em condições extremas. Ainda assim, os cientistas afirmam que essa solução, mesmo usada em pequenas quantidades, pode gerar ganhos significativos em escala global.





