Na memória afetiva de muitos brasileiros, a colher de pau evoca lembranças de panelas fumegantes, receitas de família e cheiros que acolhem. Mas, por trás desse ícone da culinária caseira, pode estar escondido um risco invisível: o de contaminações silenciosas que colocam em xeque a segurança alimentar dentro da sua própria cozinha.
Embora seja amplamente utilizada há gerações, a colher de madeira é vetada desde 2004 pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em ambientes comerciais de preparo de alimentos. E não é por acaso. A estrutura porosa do material favorece a retenção de umidade, resíduos de comida e, consequentemente, a formação de colônias de fungos e bactérias que podem resistir até às limpezas mais caprichadas.
Segundo a engenheira de alimentos Carla Fonseca, professora da Universidade Federal de Minas Gerais, o grande problema da madeira está na sua composição. “Mesmo após a lavagem com detergente, os resíduos penetram nos poros e criam um ambiente ideal para micro-organismos se fixarem e se multiplicarem. Com o tempo, formam o que chamamos de biofilme, uma camada resistente de bactérias que é extremamente difícil de remover”, explica.

Esse cenário se torna ainda mais preocupante quando a colher entra em contato com diferentes tipos de alimentos, como carnes cruas e molhos cozidos. O risco de contaminação cruzada — quando micro-organismos são transferidos de um ingrediente contaminado para outro — é elevado. E isso pode acontecer de forma quase imperceptível, especialmente quando o utensílio não apresenta sinais visíveis de deterioração.
Outro fator que merece atenção é o desgaste natural da madeira. Ao longo do tempo, as colheres de pau costumam rachar, lascar ou mesmo soltar fragmentos minúsculos, que podem se desprender durante o preparo dos alimentos. Segundo o toxicologista Eduardo Mancini, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), esses fragmentos não apenas comprometem o sabor e a textura dos pratos, mas podem gerar pequenos ferimentos internos ao serem ingeridos. “É algo que passa despercebido, mas representa um risco físico real à saúde”, alerta.
Alternativas mais seguras e duráveis
Diante dessas evidências, cresce a recomendação de substituir a tradicional colher de pau por materiais mais modernos e higiênicos. Colheres de silicone, inox ou plásticos atóxicos são opções amplamente utilizadas em cozinhas profissionais — e cada vez mais comuns nas residências.

O silicone, por exemplo, resiste a altas temperaturas e não agride o revestimento das panelas antiaderentes. Já o inox, apesar de ser um condutor térmico, é extremamente durável, fácil de limpar e não absorve odores nem resíduos. Além disso, os materiais mais recentes são produzidos com certificação para contato com alimentos, o que garante ainda mais segurança no dia a dia da cozinha.
Para garantir uma boa higienização, é fundamental seguir dois passos. O primeiro é a limpeza tradicional com água corrente e detergente neutro. O segundo, muitas vezes ignorado, é a desinfecção. Isso pode ser feito com soluções específicas para utensílios de cozinha ou mesmo com uma mistura simples de água sanitária diluída, seguindo a proporção recomendada nas embalagens.
Sinais de alerta: quando descartar um utensílio
Mesmo colheres de materiais seguros não duram para sempre. Sempre que houver rachaduras, manchas persistentes ou sinais de mofo, o melhor caminho é o descarte. Esses indícios indicam que o utensílio pode estar comprometido — e, nesse estado, ele se transforma em um veículo para contaminações.
No caso da madeira, o descarte deve ser ainda mais criterioso. “Não adianta ferver, passar vinagre ou deixar de molho no sol. A estrutura da madeira já está alterada e, com isso, o risco é constante”, reforça Carla Fonseca.