Em meio à densidade verde da capital amazonense, a Casa Cajuí surge como uma resposta arquitetônica sensível, silenciosa e profundamente conectada ao território onde se insere. Assinado pelo escritório Laurent Troost Architectures, o projeto parte de uma leitura cuidadosa do relevo acidentado e da mata preservada, assumindo a floresta amazônica não como pano de fundo, mas como elemento central da experiência de habitar.
Desde o primeiro gesto, a residência revela uma postura clara: intervir o mínimo possível. Em vez de impor uma forma rígida ao terreno, a casa se deixa conduzir pelo desnível natural, adotando soluções que respeitam o solo, a vegetação existente e o clima equatorial característico da região. Assim, arquitetura, paisagem e conforto ambiental passam a operar como um único sistema.
Implantação que preserva e valoriza o terreno original
O volume principal da Casa Cajuí se projeta em balanço sobre a encosta, criando uma relação direta com a copa das árvores e, ao mesmo tempo, liberando o solo para a continuidade da vegetação nativa. Esse gesto estrutural não apenas reduz o impacto no terreno, como também potencializa a sensação de estar suspenso em meio à floresta, ampliando o campo visual para o verde denso e para o lago localizado ao fundo da propriedade.

A varanda contínua que acompanha esse volume funciona como um espaço de transição entre interior e exterior. Ali, o limite entre casa e paisagem se dilui, permitindo que a natureza atravesse o cotidiano de forma constante, seja pela luz filtrada pelas folhas, pela ventilação cruzada ou pelos sons característicos da mata amazônica.
Arquitetura preservacionista como princípio de projeto
A estratégia de preservação orientou todas as decisões da obra. Nenhuma árvore foi removida durante a implantação, o que exigiu um desenho preciso e uma geometria em zigue-zague capaz de se adaptar à vegetação existente.
No deque externo, dois cupuaçuzeiros se tornaram protagonistas do espaço, organizando o layout e reforçando a ideia de que a casa se constrói ao redor da natureza — e não o contrário.

Um grande abacateiro, preservado integralmente, demandou um recorte específico na cobertura para acomodar sua copa. Já as fundações foram cuidadosamente posicionadas para não interferir nas raízes nem comprometer o microecossistema local, evidenciando uma arquitetura que se ancora mais no respeito ao território do que na imposição formal.
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Conforto térmico e ventilação natural como eixos centrais
Em uma região marcada por altas temperaturas e elevada umidade, o desempenho climático assume papel determinante. Na Casa Cajuí, o bloco social é protegido por uma cobertura de concreto moldada in loco, cuja espessura garante elevada inércia térmica. Essa solução contribui para manter os ambientes internos mais estáveis ao longo do dia, reduzindo a incidência direta do calor.
O desenho da cobertura acompanha a direção dos ventos predominantes e incorpora aletas superiores que aceleram a circulação do ar. Dessa forma, a residência dispensa o uso de ar-condicionado, funcionando de maneira eficiente apenas com ventilação natural. Além disso, a elevação do volume em relação ao solo afasta a casa da umidade, ampliando o conforto ambiental e a durabilidade dos materiais.

No bloco íntimo, o telhado em duas águas segue a topografia original do terreno. Aberturas contínuas e venezianas de madeira, instaladas sem vidro, garantem ventilação integral e contato direto com o exterior, reforçando a relação sensorial com a paisagem e mantendo o conforto térmico durante todo o ano.
Uma topografia construída que organiza o morar
A relação com o terreno não se limita à implantação. Internamente, a residência se organiza a partir de três desníveis que reproduzem, de forma abstrata, a topografia natural do lote. Essa topografia artificial orienta os fluxos, define usos e cria uma sequência espacial fluida, onde os ambientes se conectam sem rupturas abruptas.

Externamente, dois platôs reforçam essa continuidade entre arquitetura e paisagem, permitindo que o caminhar pela casa seja também um percurso de observação da floresta. A cobertura, por sua vez, se transforma em um elemento habitável: um caminho caminhável solicitado pelo cliente para contemplação do céu noturno. Dali, a Casa Cajuí se converte em mirante, oferecendo uma vista rara para as estrelas sobre a Amazônia, em um cenário onde silêncio, natureza e arquitetura coexistem em equilíbrio.
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Arquitetura que se dissolve na paisagem

Mais do que uma residência, a Casa Cajuí se afirma como um manifesto de arquitetura enraizada no lugar. Ao preservar o terreno original, dialogar com o clima equatorial e transformar a paisagem em protagonista, o projeto revela que é possível construir na floresta sem interrompê-la. Uma casa que não domina o entorno, mas aprende com ele — e, assim, redefine o significado de morar na Amazônia.





