A arquitetura, assim como a história, é feita de camadas. Cada peça e escolha estética leva consigo um fragmento do tempo e um eco do que já foi vivido. Objetos herdados, materiais garimpados e formas reinterpretadas revelam como o passado permanece presente não como peso, mas como fundamento. É na memória que a casa encontra sentido, e é a partir dela que o espaço ganha alma. Afinal, sem passado, não há presente, e sem presente, não se constrói o futuro.
Essa visão se traduz com delicadeza e precisão nos projetos assinados pelas arquitetas Vanessa Paiva e Claudia Passarini, à frente do escritório Paiva e Passarini Arquitetura e Design. As profissionais unem repertório e sensibilidade para criar ambientes que dialogam com o agora.
Carrinho de chá
O carrinho de chá que conhecemos hoje e que ocupa salas de estar e jantar surgiu no século XIX e foi muito presente em lares europeus, em especial os britânicos, justamente para facilitar o processo de servir a bebida com as louças de porcelana. Nos idos de 1960, o arquiteto e designer Jorge Zalszupin inspirou-se nos carrinhos de bebê usado na Polônia para desenvolver o seu modelo que carrega a estética moderna bastante presente no design atual.

“Adoramos a versatilidade e a evolução do carrinho-chá, que não necessariamente precisa assumir sua função original, mas entrar como uma peça que compõe o décor de interiores”, analisa Vanessa. “Ele traz essa história que o faz simplesmente atemporal”, completa Claudia.
Ressignificando elementos

Um dos cuidados das arquitetas é conferir nova personalidade e serventia aos móveis antigos. Foi o que aconteceu com essa cadeira que remete à era vitoriana, ocorrida entre 1837 e 1901. No apartamento reformado pela dupla, a cadeira com pintura dourada deixou a sua função convencional para tornar-se um ícone decorativo no living.
Papel de parede
A função de revestir as paredes com um ‘papel’ estampado remonta da China antiga, dos idos de 200 a.C., e foi ganhar expressão na Europa só a partir do século XVI, quando passou a ser designado para estar em pequenos cômodos e móveis, muito antes de ocupar as paredes das grandes residências, justamente para substituir as tapeçarias e os tecidos nobres de alto valor.

De símbolo de status a recurso acessível e plural, o papel de parede atravessou séculos mantendo sua essência sempre com a proposta de transformar superfícies. Para Vanessa e Claudia, o papel de parede sempre cumprirá a sua atribuição com maestria, seja através de estampas mais atuais ou aquelas que remetem a estilos muito utilizados no passado – sempre com um toque revitalizado.
Beleza artesanal do ladrilho hidráulico

Seu processo artesanal de produção segue em destaque nos projetos: desde seu surgimento na França, em meados do século XIX, o ladrilho hidráulico agrega charme aos ambientes. Resistente e com seus inúmeros desenhos coloridos, as arquitetas apostam na flexibilidade do material que pode ser aplicado, inclusive, em áreas externas. “Ele sempre será vanguardista nos projetos”, argumentam.
Peças de época
Entre tantas peças antigas que adicionam um contexto histórico por meio de novas utilizações, malas e baús são responsáveis por conceder uma atmosfera vintage.

Ambos surgiram como objetos indispensáveis nas viagens dos séculos XVIII e XIX, quando se deslocar significava levar praticamente toda a vida consigo. Os grandes baús eram usados por exploradores, marinheiros e aristocratas, e cada modelo refletia a época e o status de seu dono. “É inegável o charme desses itens que tanto podemos garimpar em antiquários ou incorporar o que já existe do acervo do morador”, dizem as especialistas.
Sofá curvo: grande aposta da sala de estar

Design | Fotos: Xavier Neto
Um pouco mais recente em comparação com os outros recursos, o sofá curvo tem uma história que remonta ao início do século XX, quando o design começou a se libertar das linhas rígidas do mobiliário tradicional. Inspirado pelo movimento Art Déco e, mais tarde, pelo modernismo orgânico das décadas de 1950 e 1960, o modelo surgiu como uma resposta à busca por fluidez e conforto nos espaços. “O sofá é aquele móvel que une as pessoas, deixando-as mais próximas”, enfatiza Vanessa.
Design brasileiro
O design assinado brasileiro, cunhado por nomes eternos, também se enquadram na categoria de elementos que seguirão contando sua história. Na living concebido para apreciar vinhos, as arquitetas lançaram mão de uma criação de Sérgio Rodrigues: a poltrona Xibó.

Embora seja mais recente – foi concebida nos anos 1990 e finalizada apenas em 2013 –, sua estrutura em madeira maciça e couro natural reflete a essência arrojada dos seus desenhos, valorizando o artesanal, o conforto e a identidade brasileira. “Somos apaixonadas pelo acervo que o Sérgio deixou para a arquitetura brasileira”, verbalizam as profissionais.
Para sempre a palhinha

A palhinha é um material natural milenar que, depois do seu auge nos anos de 1950, retornou com força na arquitetura de interiores contemporânea brasileira. Com o ecletismo de sua utilização, o acabamento confere elegância nas cadeiras de jantar e banquetas, além da composição da cabeceira e peseira, tal como Vanessa e Claudia aplicaram nos projetos que realizaram.





