Mais do que embelezar o entorno, o paisagismo sensorial tem se consolidado como uma ferramenta poderosa de reconexão emocional. Em uma residência de 800 m², marcada pela arquitetura precisa e contemporânea, o jardim deixa de ser pano de fundo para assumir um papel ativo na experiência cotidiana. É nesse contexto que nasce um projeto de jardim de 660 m² pensado para despertar lembranças, estimular os sentidos e criar vínculos profundos entre morador, espaço e natureza.
Assinado pela paisagista Clariça Lima, o trabalho parte de um princípio sensível: o verde não é apenas contemplativo, mas vivido. Cada escolha vegetal, cada traçado e cada elemento natural foi desenhado para provocar sensações reais, resgatar memórias afetivas e transformar o ato de habitar em uma experiência sensorial completa.
Arquitetura rigorosa encontra paisagismo orgânico
A residência apresenta uma linguagem arquitetônica marcada por linhas retas, volumes bem definidos e uma estética sóbria. Diante desse rigor formal, o paisagismo surge como contraponto orgânico, introduzindo formas sinuosas, movimentos naturais e um skyline vegetal que suaviza e humaniza os espaços.

Essa relação não é de oposição, mas de diálogo. O jardim respeita a arquitetura e, ao mesmo tempo, a valoriza, criando uma transição fluida entre o construído e o natural. O resultado é um conjunto equilibrado, onde o verde amplia a percepção espacial e convida à permanência.
Segundo Clariça Lima, a intenção foi desenhar um paisagismo que atuasse como extensão emocional da casa. Para ela, o jardim precisa ser sentido no cotidiano, seja pelo olhar, pelo aroma das plantas ou pelo som da água, criando pequenas pausas de reconexão ao longo do dia.
Desafios técnicos e valorização do que já existia
A implantação do jardim de 660 m² exigiu decisões técnicas cuidadosas, especialmente na inserção de árvores ornamentais adultas, fundamentais para garantir sombra, escala e maturidade ao projeto desde o início. Além disso, espécies existentes no terreno, como as arecas-bambu, passaram por um processo criterioso de recuperação após a obra civil.
Para destacar sua presença, os caules foram revelados por meio de uma poda de limpeza, enquanto a base recebeu um tratamento delicado com fibra de coco entrelaçada com samambaia azul, criando textura, proteção e um visual orgânico. Essa estratégia reforça a ideia de respeito à vegetação preexistente, integrando passado e presente no desenho do jardim.
Entrada sensorial: o jardim como gesto de acolhimento
Logo na chegada, o paisagismo sensorial se apresenta como um convite. A entrada da casa foi concebida como uma experiência gradual, em que o visitante é conduzido por espécies que acolhem o olhar e preparam emocionalmente para o interior da residência.

A presença da água em movimento, materializada em uma fonte, desempenha papel simbólico e afetivo. O som suave remete a lembranças da infância da moradora em uma fazenda, estabelecendo uma conexão direta entre memória e espaço. Assim, o jardim ultrapassa a função estética e se transforma em narrativa pessoal, logo no primeiro contato.
Circulações que ampliam a percepção do espaço
No corredor lateral, o desenho paisagístico prioriza folhagens claras, espécies de porte baixo e uma composição que favorece a passagem da luz. Essa escolha mantém a fluidez visual e evita a sensação de enclausuramento, comum em áreas de circulação.
Uma escultura estrategicamente posicionada atua como ponto focal, enquanto o verde cria ritmo e continuidade. O resultado é um percurso leve, que amplia a sensação de amplitude e transforma o simples deslocamento em experiência contemplativa.
Árvores, memórias e paisagem produtiva
Na área dos fundos, o jardim se revela em sua dimensão mais simbólica. Ipê-roxo e jabuticabeiras adultas compõem um cenário vivo, carregado de memória e identidade brasileira. Já no rooftop, o olhar se projeta para as copas das árvores e para o telhado verde da área gourmet, reforçando a integração entre paisagem e arquitetura.

As folhagens escolhidas — como filodendro-angolano, maranta-zebrina, boldo rasteiro e orelha-de-onça — cumprem dupla função. Além do impacto visual, muitas delas carregam aromas, texturas e até sabores que evocam lembranças afetivas, conectando o jardim à vivência sensorial e à história da família.
Varandas vivas e soluções sustentáveis
As varandas receberam floreiras generosas com ervas aromáticas, lavandas, roseiras e flores diversas, que perfumam o ambiente e atraem polinizadores. Esse conjunto cria um ecossistema ativo, educativo e em constante transformação, funcionando como extensão natural dos espaços internos.

No quintal, as condições de insolação parcial e a baixa adaptação de gramíneas levaram à escolha dos seixos naturais como forração. A solução garante permeabilidade do solo, atende às exigências legais e reduz significativamente a manutenção. Os canteiros orgânicos, por sua vez, foram desenhados de forma funcional, facilitando o manejo e incentivando o cultivo de espécies comestíveis, integrando paisagismo e produtividade de maneira inteligente.
Para Clariça Lima, o verdadeiro sucesso de um paisagismo sensorial está na capacidade de transformar o jardim em um espaço vivido, onde natureza, memória e presença se entrelaçam de forma genuína no dia a dia.





