A sustentabilidade deixou de ser apenas um discurso aspiracional para se tornar um critério técnico e mensurável dentro dos projetos de arquitetura, design de interiores e decoração. À medida que cresce a demanda por materiais responsáveis, surge uma questão central: como comprovar, de forma transparente, o impacto ambiental de um produto além da estética e da promessa de marketing? É nesse contexto que a EPD® (Environmental Product Declaration) ganha protagonismo e passa a orientar decisões mais conscientes e embasadas.
Ao contrário de selos genéricos, a EPD® funciona como um documento técnico público, que traduz em números e indicadores ambientais todo o percurso de um produto, desde a extração da matéria-prima até o seu descarte ou reaproveitamento. Dessa forma, revestimentos, painéis, móveis e acabamentos deixam de ser avaliados apenas pelo visual e passam a ser compreendidos também pelo seu desempenho ambiental real.
O que a EPD® revela sobre produtos de decoração
Baseada na metodologia da Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), a EPD® detalha informações como consumo de energia, uso de recursos naturais, emissões de carbono e impactos ambientais associados à produção. Esse nível de transparência permite que arquitetos e consumidores comparem produtos de uma mesma categoria de forma objetiva, substituindo suposições por dados verificados.
No Brasil, o programa é conduzido pela Fundação Carlos Alberto Vanzolini, em alinhamento com o International EPD® System, o que garante reconhecimento internacional às declarações registradas. Esse padrão comum é fundamental para assegurar consistência, comparabilidade e credibilidade às informações ambientais apresentadas.
Segundo Felipe Queiroz Coelho, gestor do EPD® Brasil, a força da certificação está justamente no rigor técnico. Ele explica que a EPD® é construída com base nas normas ISO 14040 e 14044, seguindo regras específicas para cada categoria de produto, o que assegura que os dados divulgados sejam confiáveis e comparáveis em escala global. Assim, a sustentabilidade deixa de ser subjetiva e passa a ser comprovável.
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Transparência ambiental como valor de marca
Para as empresas do setor de decoração e materiais de construção, adotar a EPD® significa ir além do compromisso ambiental declarado. É uma forma de transformar práticas sustentáveis em um ativo mensurável, capaz de dialogar com especificadores, incorporadoras e consumidores finais.
Um exemplo emblemático é o da Santa Luzia, referência nacional na reciclagem de poliestireno. Ao obter a EPD® para seus perfis de poliestireno reciclado, utilizados em rodapés, molduras e acabamentos, a empresa passou a comunicar de maneira técnica aquilo que já fazia parte de sua cultura produtiva.
De acordo com Kely Augusta Pilon, gerente de Marketing e Relacionamento da Santa Luzia, a certificação teve um papel estratégico ao transformar práticas internas em um documento reconhecido internacionalmente. Ela ressalta que, embora a empresa já operasse com base na reciclagem pós-consumo e na economia circular, a EPD® trouxe clareza e credibilidade ao mercado, consolidando a sustentabilidade como parte estruturante da marca.
EPD® como ferramenta de decisão em projetos de interiores
No campo do design de interiores, a EPD® se torna uma aliada poderosa ao permitir escolhas mais alinhadas aos princípios de responsabilidade ambiental sem abrir mão da qualidade estética. Em projetos contemporâneos, especialmente aqueles voltados a certificações ambientais ou a clientes cada vez mais informados, a rastreabilidade dos materiais passou a ser um diferencial competitivo.
Esse movimento também é percebido na indústria madeireira e de painéis. A Guararapes, uma das primeiras do setor a conquistar EPD® no Brasil, obteve declarações para linhas de MDF, HDF e compensados, ampliando a transparência sobre o impacto ambiental desses materiais amplamente utilizados em marcenaria e mobiliário planejado.
Segundo Larissa Jarillo de Lima, head de ESG da empresa, o processo exigiu organização, padronização de dados e um olhar atento para toda a cadeia produtiva. Apesar dos desafios iniciais, ela destaca que a certificação permitiu identificar oportunidades de melhoria, fortalecer a relação com fornecedores e criar uma base de informações ambientais mais sólida para o futuro.
Sustentabilidade que ultrapassa o discurso
A adoção da EPD® evidencia uma mudança estrutural no setor de decoração sustentável. Em vez de apostar apenas em narrativas verdes, empresas e profissionais passam a trabalhar com dados verificáveis, promovendo escolhas mais responsáveis e coerentes com os desafios ambientais atuais.
Para arquitetos, designers e consumidores, a EPD® representa mais do que um selo: é uma ferramenta de leitura crítica do impacto dos materiais que compõem os espaços do dia a dia. Assim, projetos ganham não apenas beleza e funcionalidade, mas também consistência ética e ambiental, alinhando design, inovação e responsabilidade de forma concreta e mensurável.





