Resumo
• As palmeiras funcionam como grandes reservatórios naturais de água na Amazônia, armazenando até 70% de seu volume hídrico.
• Pesquisas da Unesp e do CBioClima mostram que essa água interna permite que elas resistam melhor à seca e mantenham a produção de frutos.
• A dominância das palmeiras na floresta pode estar ligada tanto ao manejo ancestral quanto à própria utilidade dessas espécies para populações humanas.
• Estudos internacionais revelam que, embora vulneráveis à embolia, as palmeiras mobilizam mais água que outras árvores, sustentando ecossistemas em períodos secos.
• Mudanças climáticas e a intensificação do ciclo hidrológico aumentam o risco de mortalidade das palmeiras, afetando biodiversidade e serviços ecossistêmicos essenciais.
No coração da Amazônia, há um grupo de plantas que ocupa um papel muito mais sofisticado do que o imaginado. As palmeiras, por muitos vistas apenas como ícones tropicais, surgem agora como verdadeiras arquitetas do ciclo hídrico da floresta.
Pesquisas recentes conduzidas por universidades brasileiras revelam que sua estrutura interna funciona como uma espécie de “caixa d’água biológica”, armazenando quantidades expressivas de água e garantindo a continuidade de processos vitais durante períodos críticos de seca. Em uma era de mudanças climáticas aceleradas, compreender essa função é compreender também o futuro da própria floresta.
O poder oculto das palmeiras
Entre as 171 famílias de plantas arborescentes presentes na Amazônia, as palmeiras, da família Arecaceae, são praticamente onipresentes. A dominância no dossel e no sub-bosque não é fruto do acaso. Pesquisas conduzidas pela Unesp, no âmbito do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças Climáticas (CBioClima), mostram que essas plantas possuem a capacidade de armazenar até 70% de seu volume em água — desempenho que supera amplamente o das árvores dicotiledôneas, cujas reservas dificilmente ultrapassam 50%. Essa abundância líquida interna não apenas mantém as palmeiras vivas em períodos desafiadores, como também garante a oferta de frutos essenciais para animais e comunidades humanas.
A própria pesquisadora Thaise Emilio, da Unesp, reforça esse papel ao afirmar que “as palmeiras são grandes reservatórios ou caixas d’água da floresta”, destacando sua importância para ecossistemas que dependem da estabilidade hídrica.
Domesticação humana ou afinidade ecológica?
Embora se saiba que populações ancestrais moldaram parte da diversidade amazônica ao longo de milhares de anos, ainda há debate sobre a relação entre humanos e palmeiras. Alguns indícios sugerem que espécies amplamente utilizadas, como o açaí, podem ter sido manejadas pelas primeiras populações amazônicas, ampliando sua presença no território.
Outras hipóteses, porém, apontam que o próprio fato de essas plantas oferecerem frutos nutritivos e madeira útil pode ter atraído comunidades humanas para regiões mais ricas em palmeiras. Independentemente da origem, o fato é que elas representam hoje 75% da produção nacional de produtos florestais não madeireiros, sendo 50% referentes apenas ao açaí (Euterpe oleracea).
A resistência à seca revelada pela ciência
Durante muito tempo, acreditou-se que as palmeiras eram altamente vulneráveis à falta de água, especialmente por causa de sua estrutura hidráulica. No entanto, a colaboração entre pesquisadores brasileiros e franceses — envolvendo instituições como o Soleil Síncrotron, em Paris — trouxe um novo entendimento. Ao analisar a resistência do xilema à embolia, um fenômeno causado por bolhas de ar que interrompem o transporte hídrico, os cientistas observaram que as palmeiras são tão suscetíveis quanto outras plantas, mas possuem um diferencial crucial: grandes quantidades de água armazenada dentro do tronco, que conseguem mobilizar em situações de estresse hídrico.
Essa reserva funciona como um mecanismo natural de segurança, garantindo a manutenção de processos fisiológicos mesmo quando há risco de interrupção do fluxo de água pelo xilema. É essa mesma característica que explica por que, em expedições de campo durante períodos de seca, pesquisadores observam palmeiras frutificando enquanto outras árvores permanecem inativas.
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Impactos ecológicos e o risco crescente trazido pelo novo clima amazônico
A intensificação do ciclo hidrológico amazônico — com secas mais longas e estações chuvosas mais intensas — ameaça diretamente espécies associadas a ambientes úmidos. À medida que o equilíbrio hídrico se torna mais instável, cresce também o risco de mortalidade das palmeiras. Modelagens em desenvolvimento pela equipe do CBioClima apontam que, em cenários críticos, essas plantas podem sofrer índices de mortalidade até duas vezes superiores aos de árvores dicotiledôneas.
A perda desse grupo seria um impacto profundo não apenas do ponto de vista ecológico, mas também social. Em muitos trechos da floresta, a presença de frutos de palmeiras durante a estiagem é o que mantém a alimentação de aves, mamíferos e populações ribeirinhas. Sua redução alteraria cadeias alimentares inteiras e comprometeria serviços ecossistêmicos essenciais para o bioma.
Cooperação internacional e o esforço para compreender o futuro da floresta
O debate sobre os desafios amazônicos ultrapassa fronteiras e ganhou destaque no Fórum Brasil-França “Florestas, Biodiversidade e Sociedades Humanas”, realizado na Fundação FAPESP. O evento, que integrou a Temporada França-Brasil 2025, reuniu pesquisadores, artistas, gestores e instituições dos dois países para discutir a complexidade da floresta a partir de múltiplas perspectivas. Nesse contexto, as descobertas sobre o papel hídrico das palmeiras oferecem um exemplo poderoso de como ciência, cooperação e conservação caminham juntas para desvendar mecanismos que sustentam a vida na Amazônia.





