Ao caminhar pela Rua Coronel Dulcídio, no tradicional bairro Batel, em Curitiba, um casarão dos anos 1950 se destaca discretamente pela fachada preservada. Por trás das linhas arquitetônicas originais, no entanto, revela-se uma experiência surpreendente. O Bar Céu, reformado e reinterpretado pelo escritório Kuster Brizola Arquitetos, é hoje um dos espaços mais instigantes da vida noturna curitibana.
Ali, passado e presente se entrelaçam em um projeto que combina valorização patrimonial, ambientações sensoriais e uma arquitetura que instiga o olhar.
Arquitetura que respeita o tempo e convida ao novo
Em tempos de demolições apressadas, a decisão de manter a fachada original do imóvel reforça o respeito ao entorno e à história local. Mais do que um gesto estético, a preservação dialoga com a cidade e devolve à comunidade um fragmento de sua memória. O interior, no entanto, surpreende ao apostar em soluções contemporâneas, funcionais e cenográficas.

Logo na entrada, um pátio amplo cria um respiro urbano. Natureza e convivência ganham protagonismo ao lado de um bar com grandes aberturas envidraçadas, que funciona como vitrine para o que acontece dentro e fora do espaço. Elementos metálicos pintados em vermelho vibrante, como a escada e a passarela de circulação, costuram os diferentes níveis do bar e criam um jogo visual entre o industrial e o afetivo.
Rooftop com vista, luz e atmosfera cosmopolita
No topo da edificação, o rooftop é onde a cidade encontra a celebração. A vista generosa para a skyline de Curitiba é apenas um dos atrativos. A iluminação cênica, a escolha de mobiliário descontraído e a ambientação sonora transformam o espaço em palco para encontros, festas e contemplação. Uma passarela elevada conecta o terraço à antiga casa, revelando o cuidado com a transição entre os volumes do projeto.

Ao chegar ao sótão, uma surpresa: o que antes era uma parede opaca agora é um vitral que amplia a luz e conecta visualmente o interior ao ambiente externo. A escolha não é aleatória — ela reflete a proposta de criar uma arquitetura de transição, onde as fronteiras são sutis e os sentidos são provocados.
Entre vinil e inox: um mergulho no estilo e no som
Na parte térrea, o antigo compartimentamento do imóvel dá lugar a um ambiente de audição e experimentação sonora. Ali está o listening bar, espaço revestido em madeira com acústica cuidadosamente planejada para valorizar a música ambiente. O balcão em azulejos escuros e a iluminação tênue criam uma atmosfera de intimidade e sofisticação despretensiosa — perfeita para descobrir novos discos ou saborear coquetéis autorais sem pressa.

O uso de materiais contrastantes — como o inox polido do bar, os tijolos aparentes e as telhas cerâmicas originais — compõe uma narrativa visual que reforça a identidade do lugar. Cada ambiente parece contar um trecho da história do edifício, agora reescrita sob uma nova perspectiva.
Um lugar que revela múltiplas camadas da cidade
O Bar Céu não é apenas um espaço de lazer. É um projeto arquitetônico que traduz as camadas do tempo e da cidade em forma construída. Sua existência questiona o apagamento de memórias urbanas em nome da homogeneização e, ao mesmo tempo, propõe novas formas de ocupar e reinterpretar os espaços coletivos.

A escolha por manter elementos estruturais antigos, como o madeiramento da cobertura e o forro original em partes da casa, é um aceno ao valor do tempo e à beleza das imperfeições. Em contraste, as soluções modernas — como a marcenaria sob medida, os metais vermelhos e a paleta contemporânea — revelam a assinatura do presente.
Mais do que um bar, trata-se de um exercício de arquitetura urbana que une preservação, ousadia e experiência. Um lugar onde a cidade pulsa, as memórias habitam e o futuro se reinventa.





