A cidade de Santa Tereza, na Serra Gaúcha, vive um novo capítulo de reconstrução e esperança. Duramente afetado pelas enchentes de 2023 e 2024, o pequeno município de pouco mais de 1.700 habitantes, conhecido por seu núcleo urbano tombado pelo Iphan desde 2012, será o primeiro do país a receber um Escritório Público de Assistência Técnica (Epat) — uma iniciativa conjunta entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS).
O acordo, firmado em 15 de outubro de 2025, representa mais do que uma ação emergencial: é um gesto de valorização cultural e social que busca equilibrar reconstrução e preservação. Em um cenário onde tantas edificações históricas foram danificadas pelas cheias, a parceria se propõe a unir técnica, sensibilidade e memória coletiva.
Um modelo inédito de reconstrução com identidade
O Epat de Santa Tereza será o primeiro do gênero no Brasil, e servirá como referência nacional em reabilitação de áreas históricas afetadas por desastres naturais. O escritório vai oferecer assistência técnica gratuita a famílias e profissionais locais, orientando sobre métodos de conservação e restauração compatíveis com a arquitetura original das construções tombadas.
As ações envolverão capacitação de arquitetos, engenheiros, operários e moradores, além de atividades de educação patrimonial voltadas às boas práticas de manutenção e uso dos imóveis. A proposta combina o conhecimento técnico de arquitetos com o saber popular das comunidades, promovendo uma reconstrução que respeita a história de cada pedra, janela e varanda que compõe o tecido urbano da cidade.
Patrimônio como ferramenta de reconstrução social
De acordo com o superintendente do Iphan no Rio Grande do Sul, Rafael Passos, a cooperação vai além da restauração de prédios:
“A parceria visa não apenas a melhoria nas residências e no conjunto tombado, mas também criar uma cultura de preservação entre as pessoas que habitam o local.”
A iniciativa nasce do diálogo entre dois programas que já transformam realidades: o Programa Conviver, do Iphan, e o Casa Saudável, do CAU/RS. O primeiro atua em 16 cidades brasileiras, promovendo a conservação de bens culturais por meio de canteiros-modelo de aprendizado prático. Já o segundo garante assistência técnica gratuita a famílias de baixa renda, assegurando moradia digna e saudável.
Unidos, esses programas formam a base de uma metodologia que aliará recuperação urbana, formação profissional e valorização cultural. O Epat deve iniciar suas atividades no início de 2026, com duração prevista até novembro do mesmo ano, e contará com arquitetos, estagiários e supervisores especializados selecionados por meio de chamada pública.
O legado do Conviver: quando o ensino encontra a preservação
O Programa Conviver é um dos pilares mais inovadores do Iphan, voltado à gestão colaborativa do patrimônio cultural. Sua essência está na troca: professores, estudantes e comunidades aprendem juntos a cuidar do que é coletivo. Os Canteiros-Modelo de Conservação — espaços de ensino prático — reúnem saberes de Arquitetura, Engenharia, História, Antropologia e Restauro, formando redes locais de preservação que ultrapassam os limites acadêmicos.
Desde sua nacionalização, em 2023, o Conviver já mobilizou um investimento de R$ 23,8 milhões, consolidando um modelo de educação patrimonial participativa. Em Santa Tereza, ele será adaptado à realidade das cheias, mostrando que a preservação também pode ser uma resposta à tragédia.