Resumo
- O croá de Pindoguaba, no Ceará, foi reconhecido como Indicação Geográfica pelo INPI, destacando a originalidade do artesanato local feito com fibras do semiárido.
- A certificação valoriza o trabalho de cerca de 20 artesãs que transformam a palha em objetos decorativos, bolsas e biojoias, unindo tradição e design.
- O reconhecimento fortalece a economia criativa da região e incentiva o envolvimento de jovens, garantindo a continuidade da técnica ancestral.
- A fibra do croá, antes esquecida, foi resgatada por meio de iniciativas do Sebrae e do grupo Flor do Croá, com foco em sustentabilidade e identidade cultural.
- A IG garante autenticidade, agrega valor ao produto e reforça o artesanato como expressão legítima da cultura e do território nordestino.
O sertão cearense acaba de conquistar mais um marco histórico na valorização do artesanato nacional. O trabalho das artesãs de Pindoguaba, distrito do município de Tauá (CE), ganhou reconhecimento oficial do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) como Indicação Geográfica (IG), unindo o nome da comunidade à seleta lista de territórios brasileiros que carregam uma marca de procedência. É o 18º reconhecimento nacional no campo do artesanato — e o segundo referente ao uso de fibras naturais no país, depois do emblemático capim-dourado do Tocantins.
Mais do que um selo de distinção, a conquista simboliza o renascimento de um saber que, por décadas, esteve à beira do esquecimento. O croá, planta típica do semiárido nordestino, sempre fez parte da paisagem e da sobrevivência local. Suas fibras, resistentes e maleáveis, eram trançadas para a confecção de cordas, cabrestos, mantas e redes, itens essenciais à vida rural. Com o tempo, a chegada de materiais sintéticos e novas atividades econômicas fez a prática artesanal perder espaço — até que um projeto coletivo devolveu à fibra o protagonismo que merecia.
Da sobrevivência à sofisticação artesanal
A revitalização da palha de croá começou ainda nos anos 2000, quando um grupo de mulheres de Pindoguaba, apoiadas pelo Sebrae Ceará e por políticas de incentivo estadual, decidiu resgatar o uso da planta em novas formas e aplicações. Surgia, então, a Associação Flor do Croá, responsável por transformar o que antes era apenas uma matéria-prima bruta em peças de valor artístico e econômico. Bolsas, luminárias, biojoias e objetos de decoração passaram a integrar o repertório dessas criadoras, que agora representam a força e a sensibilidade do sertão em tramas de fibras naturais.
“O artesanato com fibra de croá é um trabalho de muita tradição, que envolve cerca de vinte artesãs e um profundo respeito à natureza local”, explica Maíra Fontenele Santana, analista de projetos de inovação do Sebrae Nacional. Segundo ela, o processo que levou à Indicação Geográfica é resultado de um trabalho minucioso de reconhecimento cultural e técnico: “A gente costuma dizer que a IG não se cria, ela se descobre e se organiza. As características e saberes já existem no território — nós apenas damos a eles o devido reconhecimento”.
Identidade, território e sustentabilidade
O croá (Neoglaziovia variegata) cresce espontaneamente na caatinga e precisa de manejo cuidadoso para não sofrer com o excesso de coleta. A preocupação com a preservação da espécie está no centro do trabalho das artesãs de Pindoguaba, que adotam práticas sustentáveis de colheita, garantindo que a planta continue sendo fonte de renda e símbolo de resistência cultural.
O reconhecimento como Indicação de Procedência (IP) não apenas protege o nome do território, mas também valoriza a autenticidade de cada peça produzida, garantindo ao consumidor a certeza de origem e qualidade. Na prática, isso se traduz em mais oportunidades econômicas, visibilidade internacional e fortalecimento da autoestima da comunidade.

A analista Maíra Fontenele observa que o impacto vai além da economia criativa. “Esse tipo de certificação integra gerações e dá continuidade a uma tradição que poderia se perder. Jovens do distrito estão voltando a aprender a técnica, entendendo que o que nasce da terra pode se transformar em arte e futuro”, comenta.
O valor cultural da fibra que conta histórias
Hoje, os produtos da Flor do Croá são reconhecidos não apenas por sua beleza natural, mas pela narrativa que carregam. Cada trançado revela o vínculo das artesãs com a paisagem árida do sertão, onde o sol, a resistência e o tempo moldam tanto as fibras quanto as mãos que as tecem. O croá, antes visto como símbolo de simplicidade, se transforma em expressão estética e identidade territorial.
A certificação também insere o Ceará em um circuito de excelência que inclui regiões produtoras de café, vinhos e queijos, mostrando que o artesanato tem a mesma relevância cultural e econômica que outros produtos tradicionais do país. Para as artesãs, o reconhecimento traz orgulho e responsabilidade: manter viva a tradição e seguir inovando dentro de uma herança que pertence a todos.
Tradição, design e o futuro do artesanato brasileiro
Com a Indicação Geográfica, o croá passa a ocupar um espaço importante no mapa da economia criativa e sustentável brasileira. A fibra, que nasce do clima seco, agora floresce em ateliês e feiras de design, dialogando com tendências globais de consumo consciente e valorização do feito à mão.
A trajetória de Pindoguaba prova que tradição e inovação podem coexistir. Ao mesmo tempo em que preserva técnicas ancestrais, o trabalho com o croá incorpora novos usos e formatos, despertando o interesse de designers, arquitetos e decoradores.
“O reconhecimento do croá mostra que o artesanato é também uma forma de design cultural, que transforma o território em marca e o fazer manual em patrimônio”, reforça Fontenele, que acompanhou de perto o processo junto ao Sebrae.