Na correria dos dias, é comum tratarmos nossos lares como apenas espaços funcionais. Mas, para quem deseja mais do que beleza na decoração, a resposta pode estar naquilo que transcende o visual: a memória. A decoração afetiva tem ganhado cada vez mais força justamente por se basear em algo essencial e íntimo — a nossa história. Ela resgata o valor do afeto, das lembranças e da personalidade como ponto de partida para criar ambientes com identidade.
E não se trata apenas de preencher os cômodos com objetos antigos ou fotos em porta-retratos. O conceito vai além do nostálgico. É sobre contar, por meio de cores, móveis, texturas e detalhes, as trajetórias que nos moldam e nos fazem sentir pertencimento. Segundo a arquiteta e pesquisadora Juliana Camargo, da UFRJ, “a decoração afetiva parte de uma reconexão emocional com os espaços. É uma forma de tornar visível aquilo que é invisível aos olhos, mas muito presente na vivência cotidiana.”
Decorar é também se reconhecer no espaço
Um lar afetivo é construído com camadas de experiências. Um banco herdado do avô, uma peça garimpada durante uma viagem marcante, a cerâmica feita à mão com o filho ou mesmo aquela manta antiga que carrega o cheiro da infância: todos esses elementos têm o poder de transformar uma casa em extensão de quem a habita.

Ao contrário dos estilos rígidos, a decoração afetiva não segue regras fixas ou modismos. Ela é sensorial, subjetiva e sempre única. Para a designer de interiores Roberta Villas, do estúdio À Margem, “essa abordagem valoriza o cotidiano e o emocional. São detalhes que criam vínculos e fazem com que os moradores se sintam mais acolhidos, principalmente em tempos de excesso de estímulos digitais e pouca conexão real.”
O papel do tempo e da imperfeição
Outro traço marcante da decoração afetiva é a natural valorização do tempo. Itens que carregam sinais de uso — como madeiras desgastadas, livros amarelados ou tecidos puídos — não são descartados, mas sim celebrados por sua história. Isso aproxima o conceito de movimentos como o wabi-sabi, de origem japonesa, que enxerga beleza na imperfeição e no inacabado.
Nessa lógica, restaurar um móvel antigo da família pode ter tanto valor quanto adquirir uma peça nova de design. E mais: pode ser o ponto de partida para um canto de leitura, uma sala de jantar mais aconchegante ou uma estante repleta de significados.
Afeto também se constrói com escolhas conscientes
Embora o estilo valorize o que já existe, isso não significa que ele seja avesso à renovação. Na verdade, a decoração afetiva permite combinações ousadas entre passado e presente. Um ambiente pode reunir uma cadeira moderna com um quadro da infância, um piso de cimento queimado com uma cristaleira herdada. Tudo depende de como essas escolhas dialogam com as memórias e os desejos de quem vive ali.
Além disso, cresce o interesse por marcas e artesãos locais, que oferecem peças únicas com histórias próprias. Esse movimento aproxima a casa do seu entorno cultural e ainda fortalece o vínculo com o processo de criação, adicionando uma nova camada de afeto ao espaço.
Plantas, aromas e cores que despertam sensações
O afeto mora também nos sentidos. A presença de plantas ornamentais, como jiboias, marantas e costelas-de-adão, traz não apenas vida ao décor, mas reforça essa conexão com a natureza e o cuidado com o lar. Aromas, como o da lavanda ou da canela, têm o poder de evocar lembranças e sensações de aconchego. Já a paleta de cores costuma variar conforme as emoções que se deseja transmitir: tons terrosos para segurança, verdes para tranquilidade, amarelos para alegria.

Cada escolha pode carregar uma intenção, tornando o ambiente mais empático, terapêutico e alinhado com a essência de seus moradores.
Mais do que uma tendência: um caminho de reconexão
A decoração afetiva não precisa de fórmulas prontas. Ela se constrói com tempo, com histórias e com escuta. É uma resposta sensível à necessidade de fazer da casa um verdadeiro refúgio — um espaço onde se reconhece a si mesmo, onde os afetos têm lugar, onde o passado encontra o presente para acolher o futuro.
Como bem resume a arquiteta Juliana Camargo, “a decoração afetiva é um manifesto silencioso de quem somos. Ao acolher o que é nosso — com suas marcas, memórias e significados — criamos não só uma casa bonita, mas uma casa viva.